quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Breve comentário sobre o ensaio "A Literatura contra o Efêmero" de Umberto Eco

Amigos, publiquei o comentário abaixo no site http://www.recantodasletras.com.br e posto aqui também. Eu particularmente adorei as teorias de Umberto Eco.

O que é a literatura? Qual o seu propósito em nossas vidas? Por quê nos identificamos tantos com os personagens que fazem/fizeram parte de nossa existência? São perguntas reflexivas como essas que Umberto Eco provoca em nossos mais íntimos pensamentos ao ler seu ensaio.


Quem foi Odisseu? Será que minha vida é uma odisséia? Don Juan; Don Quijote, Romeu, Julieta e diversos outros personagens ganharam vida por intermédio de palavras escritas ao longo da história da humanidade. A literatura deve ser momentânea ou duradoura? Deve ser um ato criativo ou uma lição para toda a vida?

O ensaio A literatura contra o efêmero apresenta uma discussão, ou melhor, uma reflexão sobre o atributo imutável, imaterial da obra literária, tanto quanto os dogmas religiosos que influenciam nossas vidas sociais e mantêm nosso patrimônio coletivo, ou como define a psicanálise, nossos arquétipos.

Vivemos em um paradoxo que apresenta dois tipos de conquistas literárias: a eterna e a imediata. Esta última, tão presente entre nossos jovens, é uma literatura virtual que transita on-line entre computadores de todo o mundo, criando personagens ou até mesmo alterando a ‘vida’ dos já criados. Quem nunca pesou em alterar a história de A bela adormecida para que não sofresse tanto? Essa é a era do hipertexto que, conforme apresenta Umberto Eco, nos permite viajar dentro da história e nos tornamos co-criador das narrações, alterando-as até o infinito de nossa imaginação.

Mas não é essa liberdade de expressão criativa que o autor defende em seu ensaio, e sim a luta da literatura contra a momentaneidade desse novo universo. A essência imutável da narrativa provoca no leitor desejos muitas vezes experimentados somente na ação da leitura, convive com sua ansiedade, medo, espasmo, excitação e amor. Amor pelo desconhecido mundo que adentramos quando se aprecia uma obra. Se a obra escreve o autor, então nós somos lidos por ela quando estamos na figura do leitor.

Os personagens definem nosso comportamento, pois queremos ser estes seres vivos em um mundo tão distante e tão perto. Desejamos jogar o jogo proposto pela obra e adjetivamos vários seres para nosso mundo. Sofremos de complexo de Édipo, possuímos um comportamento quixotesco, um ciúmes otelano, uma dúvida hamletiana ou nos sentimos um patinho feio.

E isso tudo é errado? Complexo? Equivocado? De forma alguma. Para Umberto Eco o leitor deve aceitar o destino dos personagens e compreender toda a cosmogonia por trás do mundo narrativo. Ao ler a obra, identificamos a nossa própria vida, a nossa existência e aprendemos a experimentar as impossibilidades de alterar a estrada que percorremos, e por isso que não devemos alterar a história, e sim aprender com ela. Lembremos sempre que a literatura é um exercício de criatividade e liberdade, e principalmente uma lição para a vida e para a morte.


OBS: O ensaio "A literatura contra o efêmero" de Umberto Eco foi publicada pela Folha de São Paulo, caderno "Mais", de 18.02.2001.

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