domingo, 4 de julho de 2010

A Máscara de Betatron - Ensaio sobre as múltiplas personalidades humanas presente no conto “Corações Solitários” de Rubem Fonseca.

Sempre nos escondemos atrás de alguma coisa. Pode ser muito trabalho, pode ser pouca diversão, pode ser pelo fato de não querermos que os outros conversem conosco. O fato é que todos se escondem. “Minha vida é um livro aberto” é a frase de efeito usada por todos aqueles que afirmam não possuírem nada a esconder, mas é bom lembrar que todo livro possui parágrafos de difícil interpretação.


Em Corações Solitários, Rubem Fonseca apresenta o drama de um ex-repórter policial que inicia uma nova fase de vida profissional no jornal Mulher onde passa a ter duas atribuições: responder as cartas das leitoras e escrever as fotonovelas. No entanto em Mulher todos os escritores devem usar pseudônimos femininos, o que intriga nosso narrador-personagem. Após pequenas discussões (e persuasões, é claro) decide-se pelo uso no codinome Nathanael Lessa para responder as cartas que são inventadas pelo próprio narrador-personagem e Clarice Simone para assinar as fotonovelas.

Apelidos criados para homenagear Nathanael West, autor de Miss Corações Solitários, Ivan Lessa, jornalista e cronista brasileiro e um dos fundadores de O Pasquim, Clarice Lispector e filósofa francesa Simone de Beauvoir. Das quatro personalidades, destacamos Nathanael West pelo desenrolar da narrativa bastante similar ao conto de Rubem Fonseca.

Homenagens a parte, ressaltamos o papel do Dr. Nathanael Lessa em responder as supostas cartas de leitoras da classe C enviadas ao jornal Mulher. Histórias que ele mesmo inventara e respondia, com a anuência do Peçanha (Editor do Jornal), com certo teor de otimismo para as vidas das leitoras. Mas que leitoras? Situações criadas e personagem saídos dos devaneios de um ex-repórter policial que poderiam ser verdades, poderiam ser histórias de um povo sofrido, de um povo que clama por um ombro para chorar as amarguras da vida.

São fatos inventados por um personagem criado. Mais uma máscara em uma tentativa de mostrar à sociedade o realmente existe. São relatos como o da virgem louca que não sabe se cede ao namorado ou não. Quantas mulheres não sofrem o mesmo dilema, neste momento? Pressionadas por seus namorados, amigos ou colegas a praticarem o ato sexual sem o envolvimento emocional que dizemos ser tão importante e depois se escondem envergonhadas dos atos que foram obrigadas a fazer.

Quantas viúvas existem como a senhora deixada pelo marido e com pensão pequena, tendo que viver os dramas diários? Pessoas que possuem medos de sua própria existência. Nosso personagem Nathanael Lessa criou as cartas, mas não inventou os dramas.

Já a Clarice Simone, outro codinome do nosso narrador-personagem, é responsável pelo roteiro das fotonovelas entregues a Mônica Tutsi (o fotografo chamado Agnaldo). A primeira história nos apresenta o drama de Roberto e Betty, noivos e pretendem se casar. Influenciado pelo seu amigo Tiago, o noivo procura a casa da “Superputa” Betatron para tirar a sua castidade. Descobre, então, que Betatron é na verdade sua noiva Betty. Quem é a verdadeira? Betty que se esconde na pele de Betatron ou esta que deseja viver um vida pura na face de Betty?

São linhas como essas que despertam em nossa mente a dúvida: Queremos a chance de viver uma vida diferente da nossa? Escondemos-nos em codinomes, em histórias inventadas?

Lembro do filme Substitutos, estrelado por Bruce Willis. Na trama, ambientada em 2054, noventa e tantos porcento da humanidade trocou sua existência diária, de carne-e-osso, por androides substitutos da Virtual Self. No melhor estilo Matrix, os usuários podem sentar-se em confortáveis poltronas de conexão e projetar suas consciências em bonecos perfeitos.

A oportunidade de estar em um corpo completamente diferente do seu está devidamente pesquisada e registrada hoje em dia. O que é Second Life se não exatamente isso? Poder deixar o seu corpo para trás e embarcar em aventuras e situações que você não viveria de outra forma? Mas no mundo de Substitutos a opção parece meramente estética e sexual. Flerta-se usando um corpo do sexo oposto, praticam-se esportes radicais com mais frequência ou situações de risco são abraçadas sem medo... mas é só. Basicamente, as pessoas têm os mesmos empregos enfadonhos e a sociedade opera da mesma forma - só que todos são bonitos como Barbies e Kens.

É o que Rubem Fonseca apresenta em seu conto: Uma ironia exemplar nos mostra as facetas da sociedade escondida por rostos desconhecidos do Nathanael Lessa, Clarice Simone, Mônica Tutsi, Sandra Marina ou Elisa Gabriela. Local em que o autor não sabe para quem escreve e quem lê desconhece o autor.

Motivo que leva a crer que a vida passa a ser uma criação ficcional do autor, mas mesmo assim retrata a realidade. Imagem de uma sociedade que se esconde em máscaras para cada ocasião. Todos nós possuímos a máscara de Betatron: Puros na sociedade, corrompidos em nosso íntimo.

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